A Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) anunciou a implementação de ações afirmativas nos programas de residência médica e multiprofissional da instituição, que também englobam áreas como Fisioterapia, Enfermagem, Psicologia e Nutrição. Haverá, no processo seletivo das residências deste ano, para as turmas que iniciam em 2025, a reserva de 20% das vagas para ingresso de pessoas pretas, pardas e indígenas e 20% para pessoas com deficiência (PCD).
Os 60% restantes serão destinados à ampla concorrência. Caso não haja candidatos aprovados para preencher todas as vagas pelo sistema de reserva, as remanescentes serão destinadas à ampla concorrência. A instituição é uma das mais tradicionais do País na área de saúde.
O direito às vagas de ação afirmativa nas residências dos cursos de saúde será aprovado por meio da análise dos laudos sobre deficiência e pelas bancas de heteroidentificação – cuja eficiência passou por questionamentos recentes durante a seleção de alunos na Universidade de São Paulo (USP), mas a validade do modelo tem sido reforçada pela instituições e chancelada pela Justiça.
A reserva será aplicada especialmente para o primeiro ano da residência, não exigindo que o profissional tenha realizado estágio anterior como pré-requisito para o ingresso.
Para Anderson Rosa, pró-reitor de Assuntos Estudantis e Políticas Afirmativas da Unifesp, é um avanço histórico para a universidade. “As ações afirmativas para incluir mais profissionais negros, indígenas e com deficiência resultará na produção de tecnologias assistenciais e sociais de excelência e mais condizentes com a realidade e diversidade do povo brasileiro”, afirma.
A universidade já tem cotas em suas graduações. As reservas de vaga com critérios raciais foram implementadas desde 2005, antes mesmo da lei federal de cotas, sancionada em 2012. Já para as residências não há obrigatoriedade legal de as instituições terem ações afirmativas, dependendo da autonomia da universidade para implementar tais programas.
Magnus Dias, diretor da Escola Paulista de Medicina (EPM) da Unifesp, afirma que a Unifesp tem a tradição de ser vanguardista em medidas de inclusão.
“É a academia junto com a sociedade interagindo para que a gente tenha um ambiente de formação menos discriminatório e mais inclusivo possível”, afirma. Em 2024, a EPM completa 90 anos.
Inclusão também demanda adaptação tecnológica
Especificamente em relação às cotas para PCDs, Dias ressalta que já há diversas tecnologias que auxiliam esses alunos na prática acadêmica e profissional. O diretor defende ainda que as adaptações necessárias pela instituição para receber pessoas com deficiência seja feita também em conjunto com esses estudantes.
“Se esperar que a instituição tenha uma estrutura integralmente preparada para receber todo tipo de deficiência, vira um projeto para não acontecer. E acaba não tendo a possibilidade de aprender com a pessoa ao chegar na universidade”, afirma Dias.
Durante o preenchimento das vagas para PCD, será observada a viabilidade do aproveitamento da especialidade médica ou área da saúde escolhida pelo estudante, levando em conta a sua deficiência.
Dias ressalta que as cotas são uma forma não só de combater o preconceito em uma área elitizada como a medicina, mas também servem como uma forma de reparação histórica pela falta de oportunidade dada às pessoas pretas, pardas, indígenas e com deficiência.
“Essas políticas afirmativas vêm para recuperar a nossa humanidade, que tem sido esquecida. Sem isso, afastamos várias outras habilidades que a gente espera de um médico ou médica, entre elas a empatia, a compaixão, o sentimento de escuta”, diz o diretor.
A implementação de cotas nas residências das áreas da saúde é uma das pautas de reivindicação da Educafro, organização não governamental que luta pela inclusão de pessoas negras no ensino superior. Frei David Santos, diretor executivo da ONG, diz que a entidade irá atuar para que outras universidades públicas adotem as políticas afirmativas em residências.
“Queremos pedir à Andifes, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, que debata isso na próxima reunião e gere uma norma orientando todas as universidades a adotar o método na linha da Unifesp”, afirma Santos.
“É uma quebra de paradigmas. E a consequência da quebra de paradigmas é vencer o preconceito estrutural”, acrescenta.