Pancreatite aguda: definição, causas, manejo e esclarecimentos.
O QUE É?
A pancreatite aguda é uma condição inflamatória do pâncreas, que é apresentada, principalmente, por dor abdominal intensa e aumento dos níveis séricos das enzimas pancreáticas. Trata-se de uma importante causa de hospitalização. Falaremos mais a seguir, porém, para já ficar na cabeça, cálculos e o abuso de álcool são responsáveis por dois terços dos casos.
QUAL IMPORTÂNCIA DO TEMA?
Como mencionado anteriormente, a pancreatite aguda é responsável por muitas internações no Brasil e no mundo. Além disso, o conhecimento desta enfermidade se faz necessário pelo aumento da incidência em associação com a presença cada vez mais comum de obesidade e cálculos biliares na sociedade.
A mortalidade desta situação gira em torno de 5%, sendo ocasionada como consequência da resposta inflamatória sistêmica e disfunção orgânica proporcionada.
E AS POSSÍVEIS ETIOLOGIAS?
Neste tópico, vamos separar as causas mais comuns, detalhando-as, e exemplificar outras mais raras.
. LITÍASE: os famosos cálculos (incluindo microlitíases) são as causas mais comuns de pancreatite aguda (aproximadamente 40-70% dos casos). Vale a pena lembrar que somente 3 a 7% dos pacientes com cálculo biliar irão desenvolver pancreatite. Não se sabe ao certo o mecanismo preciso capaz de causar a pancreatite nesses casos. Duas das principais hipóteses são: refluxo biliar dentro do ducho pancreático por obstrução da ampola ou obstrução da ampola, ou edema pela passagem do cálculo.
Alguns detalhes importantes: o risco de desenvolver a doença por cálculo biliar é maior em homens, apesar da prevalência ser maior em mulheres; cálculos pequenos estão associados com um maior risco de desenvolver pancreatite (maior chance de deslocamento pela via biliar).
. ÁLCOOL: responsável por 25-35% dos casos de pancreatite aguda nos EUA (principal literatura de referência para o assunto).
. HIPERTRIGLICERIDEMIA: níveis séricos de triglicerídeos acima de 1000mg/dL podem precipitar ataques de pancreatite aguda. Nesse tipo de etiologia, tanto a origem primária (genética) quanto a adquirida (obesidade, diabetes, hipotireoidismo, gravidez, medicações – estrogênio, tamoxifeno, betabloqueadores).
. CPRE: pois é, o exame que é utilizado com grande frequência na pancreatite biliar pode ser causa de pancreatite! Na verdade, essa é a complicação mais comum e mais temida da CPRE.
. RISCO GENÉTICO
. MEDICAMENTOSA: é uma causa rara (<5%). Nesse tipo de causa o prognóstico costuma ser bom, com taxas de mortalidade muito baixas.
Os mecanismos envolvidos incluem reações imunológicas (aminossalicilatos, sulfonamidas); efeito tóxico direto (diuréticos, sulfonamidas); acúmulo de metabólitos tóxicos (valproato, didanosídeo, tetraciclina); isquemia (diuréticos, azatioprina) e outros mecanismos.
. LESÃO DE DUCTO PANCREÁTICO
. OUTRAS CAUSAS MAIS RARAS: lama biliar e microcálculos; obstrução biliar; hipercalcemia; infecções e toxinas (hepatite B, CMV, herpes simplex, HIV; bactérias – Mycoplasma, Legionella, Leptospira, Salmonella; fungos – aspergilose; parasitas); idiopática.
Acredita-se que 15-25% dos casos de pancreatite aguda são idiopáticos. Atualmente, uma linha de pensamento é que esses pacientes possuam um perfil específico de fatores de risco genéticos.
O QUE POSSO ESPERAR DA CLÍNICA NA PANCREATITE AGUDA?
Antes de iniciarmos a caracterização dos sinais/sintomas ocasionados por esta entidade, podemos classificar a pancreatite aguda da seguinte forma:
. Leve: ausência de falência orgânica, complicações locais ou sistêmicas;
. Moderada: sinais de falência orgânica que se resolvem rapidamente (dentro de 48 horas) e/ou complicações locais ou sistêmicas persistentes;
. Grave: disfunção orgânica persistente, acometendo um ou múltiplos órgãos.
DOR ABDOMINAL:
A maioria dos pacientes apresenta início agudo de dor abdominal persistente e intensa, principalmente em topografia de epigastro, muitas vezes descrita como “em barra”. Em alguns casos, pode estar localizada apenas no quadrante direito e, muito raramente, no quadrante esquerdo.
NÁUSEAS/VÔMITOS:
Aproximadamente 90% dos casos dos pacientes apresentam associação de náuseas e vômitos, que podem persistir por algumas horas.
OUTROS SINAIS/SINTOMAS:
Pacientes com pancreatite aguda grave podem apresentar dispneia, secundária a inflamação do diafragma relacionada à própria pancreatite; derrame pleural; e Síndrome do Desconforto Respiratório do Adulto.
COMO ESTÁ O EXAME FÍSICO DESTES DOENTES?
O exame físico irá variar de acordo com a gravidade do quadro. Em episódios moderados, a palpação abdominal pode exibir uma discreta tensão, enquanto nos pacientes mais graves, o abdome pode estar tenso de forma mais evidente. Pode haver diminuição do peristaltismo secundária a um íleo inflamatório.
Quando há pancreatite secundária à obstrução de vias biliares, podemos flagrar icterícia.
Nos casos de pancreatite grave, achados como febre, taquipneia, hipoxemia, hipotensão podem ser encontrados.
O QUE É O SINAL DE CULLEN? E O DE GREY TURNER?
Ambos são sinais que podem sugerir, embora inespecíficos, presença de sangramento retroperitonial secundário à necrose pancreática. O primeiro é caracterizado por uma equimose na região periumbilical. Já no segundo, vamos encontrar áreas equimóticas nos flancos.
LABORATÓRIO
AMILASE: A amilase sérica se eleva dentro de 6 a 12 horas após o início da pancreatite aguda. Quando se encontra elevada em pelo menos 3 vezes do nível normal, possui uma sensibilidade entre 67-83% do diagnóstico e especificidade de 85-98%.
“PERAÍ, PERAÍ, PERAÍ, GUILHERME! MAS JÁ OUVI FALAR QUE A AMILASE SE ENCONTRA AUMENTADA EM OUTRAS CONDIÇÕES TAMBÉM…”
OK! REALMENTE! OUTRAS SITUAÇÕES QUE PODEM ELEVAR A AMILASE SÉRICA:
– colecistite aguda;
– parotidite;
– trauma;
– cirurgia;
– cetoacidose;
– macroamilasemia;
– etilismo;
– cirrose;
– anorexia nervosa/bulimia;
– obstrução intestinal / infarto intestinal
POR ISSO, TEMOS UMA ENZIMA MAIS ESPECÍFICA PARA O DIAGNÓSTICO DE PANCREATITE AGUDA.
LIPASE: A sensibilidade e especificidade desta se encontra entre 82 a 100%. Eleva-se a partir de quatro a oito horas do início do quadro, tendo um pico em 24 horas e retornando ao normal após 8 a 14 dias.
OUTROS ACHADOS LABORATORIAIS: Na pancreatite, podemos verificar leucocitose; aumento do hematócrito (por hemoconcentração devido a extravasamento do fluido intravascular para o terceiro espaço). Aumento de ureia; hipocalcemia; hiperglicemia e hipoglicemias podem ocorrer.
“NOSSA! O ASSUNTO É EXTENSO! VERDAADE! MAS APÓS LER ESTE ARTIGO, VOCÊ CONSEGUIRÁ SE VIRAR MUITO BEM COM UM CASO DE PANCREATITE AGUDA! ENTÃO, FORÇA! FALTA POUCO!”
VAMOS SEGUIR PARA AS IMAGENS. NESTE TÓPICO, O MAIS IMPORTANTE É SE ATER À TOMOGRAFIA.
TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA (TC) DE ABDOME: a TC, principalmente se contrastada, consegue demonstrar edema pancreático, incluindo imagens focais ou difusas do pâncreas. Necrose pancreática também pode ser vista. Embora não seja o melhor exame para isso, às vezes consegue visualizar o ducto biliar, localizando possíveis cálculos.
No entanto, guarde algo para a vida: a TC na pancreatite tem maior valor para diagnósticas complicações, como pseudocódigos pancreático e necrose aguda.
ULTRASSONOGRAFIA ABDOMINAL: principal papel seria no auxílio à visualização dos ductor biliares (principalmente quando pensamos em etiologia biliar).
Imagens sugestivas podem ser: pâncreas aumentado de tamanho e com imagem hipoecoica.
RESSONÂNCIA MAGNÉTICA: possui maior sensibilidade para diagnosticar pancreatite aguda precocemente, quando comparada à TC, e pode caracterizar melhor dos ductor biliares e pancreáticos, além das complicações. A colangiorressonância pode ter grande papel na detecção de coledocolitíase. Em pacientes com doença renal, pode ser um bom método para substituir a TC na suspeita de necrose pancreática. Porém, não é um exame que costumamos usar de rotina na pancreatite aguda.
RADIOGRAFIA DE ABDOME: pode apresentar uma série de achados inespecíficos, não sendo um exame muito utilizado nesta suspeita diagnóstica.
FINALMENTE, COMO FAZEMOS, DE FATO, O DIAGNÓSTICO?
O diagnóstico deve ser suspeitado em todo paciente com início de dor aguda, persistente, intensa, em região de epigastro, muitas vezes associada à tensão na palpação abdominal.
Para o diagnóstico, se faz necessário estar presente 2 dos 3 critérios seguintes: dor abdominal intensa, persistente, em epigastro, podendo irradiar para o dorso; aumento de lipase, ou amilase sérica, por pelo menos 3 vezes os níveis normais; e imagens características na TC com contraste, ressonância magnética ou ultrassonografia abdominal.
Nos pacientes que possuem os dois primeiros critérios, não há necessidade da solicitação de exame de imagem para o diagnóstico.
EM QUAIS DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS PODEMOS PENSAR?
Aqui vamos citar alguns possíveis diagnósticos diferenciais:
– Úlcera péptica: em geral dor epigástrico, porém intermitente, não irradiando para dorso. Muitas vezes associada a uso de AINEs ou infecção por Helicobacter pylori.
– Coledocolitíase ou colangite: história de cálculo biliar ou manipulação das vias biliares, havendo aumento sérico de bilirrubinas, fosfatase alcalina, gama GT. Em geral, amilase e lipase não se elevam.
– Colecistite: dor abdominal, mais comum em hipocôndrio direito, podendo irradiar para escápula ipsilateral ou dorso. Os pacientes com esse quadro apresentam piora da dor à palpação da região, podendo apresentar Sinal de Murphy positivo.
– Outros diagnósticos: perfuração de vísceras, obstrução intestinal, isquemia mesentérica, hepatite.
QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS COMPLICAÇÕES LOCAIS DA PANCREATITE AGUDA?
As mais conhecidas são pseudocisto pancreático, coleções peripancreáticas, necrose aguda e necrose “walled-off”. Enquanto as coleções peripancreáticas e a necrose podem se desenvolver em menos de 4 semanas do quadro inicial, o pseudocisto e a “walled-off” costumam se desenvolver após 4 semanas.
Tanto esta última, quanto a necrose, podem complicar ainda mais por infecção secundária.
AGORA, FINALMENTE, CHEGAREMOS AO ÚLTIMO TÓPICO. COMO TRATO A PANCREATITE AGUDA?
Vamos passar um quadro geral do tratamento, sem entrar em detalhes muito específicos. Antes de qualquer coisa, devemos tentar identificar a etiologia da pancreatite aguda e, se possível, guiar ao tratamento específico da causa.
Em linhas gerais, a gravidade de cada paciente deve ser levada em conta. Indivíduos que se encontrem com critério de pancreatite aguda grave merecem monitorização contínua e internação em leito de terapia intensiva. Critérios de gravidade são: FC < 40 bpm ou > 150 bpm; pressão sistólica < 80 mmHg ou média < 60 mmHg; FR > 35 irpm; hiponatremia grave ou hipernatremia grave; glicose sérica > 800 mg/dL; cálcio sérico > 15 mg/dL; PaO2 < 50 mmHg; anúria; coma.
Reposição de fluidos é extremamente necessária, além do controle da dor (um dos pilares do tratamento), podendo ser necessário o uso de opioides. Inicialmente, os pacientes serão deixados em jejum, porém a dieta deve ser retornada assim que o estado clínico permitir e/ou a dor se tornar suportável.
Em geral, pacientes com quadros leves ou moderados se recuperam rapidamente, retornando à dieta via oral dentro de 24 horas com o controle analgésico. Já pacientes mais graves, muitas vezes necessitarão de dieta entérica quando adquirem maior estabilidade clínica.
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