Como reconhecer e diferenciar as vulvovaginites e vaginoses infecciosas?

Vulvovaginites e vaginoses são causas muito comuns de corrimento vaginal patológico, e um dos principais motivos pelos quais as mulheres procuram o ginecologista. Podem causar desconforto vaginal, e impactar de forma negativa na qualidade de vida, atrapalhando por exemplo sua vida sexual.

Entretanto, muitas mulheres não têm conhecimento sobre o corrimento fisiológico, ou não sabem diferenciá-lo do patológico e, com isso, podem queixar-se de alguma infecção vaginal apenas pela presença de descarga vaginal fisiológica. Por isso é tão importante esclarecer os tipos de corrimentos e afecções.

As vulvovaginites e vaginoses são afecções do epitélio estratificado da vulva e/ou vagina, que têm como agentes etiológicos mais comuns os fungos, bactérias anaeróbias e o tricomonas, que é um protozoário.

Vulvovaginite:

A vulvovaginite é um processo inflamatório que acomete a vulva, as paredes vaginais e o epitélio escamoso estratificado do colo uterino (ectocérvice). É caracterizada por aumento da quantidade de polimorfonucleares.

Vaginose:

A vaginose é caracterizada por ausência de resposta inflamatória vaginal.

Descarga vaginal fisiológica:

A composição do fluxo vaginal inclui muco cervical, células vaginais e cervicais esfoliadas, transudato vaginal, proteínas, glicoproteínas, ácidos graxos orgânicos, carboidratos, poucos leucócitos, micro-organismos que compõem a flora vaginal e secreção das glândulas de Bartholin e Skene.

A quantidade média pode variar de acordo com a idade, excitação sexual, estado emocional (estresse, por exemplo), fase do ciclo menstrual, reposição hormonal, gravidez, e temperatura ambiente, mas, geralmente, é de aproximadamente 3 gramas por dia.

O pH vaginal fisiológico é ácido, devido à produção de ácido láctico e outros ácidos pelos Lactobacillus acidophilus, principais bactérias do conteúdo vaginal normal, variando de 3,8 a 4,2, o que é importante para o ecossistema vaginal.

O corrimento vaginal fisiológico é branco ou transparente, inodoro, de aspecto mucoide, homogêneo ou pouco grumoso.

É necessário orientar de forma clara as mulheres para a existência desse corrimento vaginal fisiológico, transmitindo confiança e segurança a respeito de sua normalidade.

Flora vaginal normal:

A flora vaginal habitual é composta por aeróbios Gram-positivos (Lactobacillus acidophilusStaphylococcus epidermidis, podendo haver também Streptococcus agalactiae), Gram-negativos (Escherichia coli), anaeróbios facultativos (Gardnerella vaginalisEnterococcus), anaeróbios estritos (Prevotella spp.Bacterioides spp.Peptostreptococcus spp., Ureaplasma urealyticum e Mycoplasma hominis) e fungos (principalmente a Candida spp., que é um fungo Gram-positivo, dimorfo, saprófita do trato genital e do trato gastrointestinal, e que pode se tornar patogênico em determinadas condições).

Como principais mecanismos de defesa da genitália temos:

– Vulva: Tegumento, pelos abundantes e coaptação adequada dos pequenos lábios.

– Vagina: pH ácido, presença de lactobacilos, integridade do assoalho pélvico, justaposição das paredes vaginais, espessura e pregueamento das paredes vaginais e alterações cíclicas.

– Colo: Muco endocervical (dificulta a passagem dos patógenos para o trato genital superior, e ainda possui substâncias bactericidas), ação bactericida e integridade anatômica.

Fatores predisponentes para vulvovaginites:

Temos como fatores predisponentes a diabetes, a ingesta de esteroides, o uso de antibióticos e/ou imunossupressores, o uso de duchas vaginais (alteram o pH da vagina), o uso de lubrificantes vaginais, absorventes internos e externos, depilação frequente, relações sexuais (alteram o pH vaginal e facilitam a introdução de micro-organismos), o uso de contraceptivos orais ou tópicos, por exemplo o DIU, o uso de hormônios, doenças sexualmente transmissíveis, estados hiper ou hipoestrogênicos, estresse, traumas, mudança de parceiro, e hospitalização prolongada.

Agora que já abordamos as características fisiológicas do corrimento vaginal, os mecanismos de defesa do trato genital feminino e os fatores predisponentes para as vulvovaginites e vaginoses infecciosas, vamos detalhar essas infecções:

  1. Vaginose bacteriana (VB):

É a desordem infecciosa mais comum do trato genital inferior feminino em idade fértil. Ocorre mais frequentemente em mulheres com vida sexual ativa, mas também pode acometer crianças e mulheres que não praticam atividades sexuais, o que mostra que há outras formas de transmissão além da sexual.

Pode ser caracterizada por um desequilíbrio da flora vaginal normal, com supercrescimento de bactérias, principalmente anaeróbias, associado à diminuição de lactobacilos, cujo fator desencadeante é desconhecido.

Entre as bactérias anaeróbias, a que predomina na VB é a Gardnerella vaginalis, que pode ter sua concentração 2 a 3 vezes maior que em condições normais.

– Quadro clínico: Quase metade das mulheres que apresentam VB são assintomáticas, mas o quadro que caracteriza essa afecção é a presença de corrimento vaginal de odor fétido (principalmente depois do coito, sem preservativo, e durante o período menstrual), fluido, homogêneo, branco acinzentado, em pequena quantidade e não aderente, e que pode formar microbolhas.

Além disso, a dispareunia, irritação vulvar e disúria também podem ocorrer, embora seja raro.

– Diagnóstico: O diagnóstico da VB pode ser clínico, por meio dos critérios de Amsel, ou pela coloração de Gram, pelo sistema de Nugent.

Critérios de Amsel:

  • Presença de corrimento branco acinzentado, homogêneo e fino.
  • pH vaginal maior que 4,5.
  • Teste das Aminas (teste de Whiff) positivo – é feito com a adição de hidróxido de potássio a 10% na secreção coletada do fundo de saco vaginal, com aparecimento imediato de odor desagradável.
  • Presença de clue cells (células-alvo) no exame microscópico a fresco da secreção vaginal.

A presença de, pelo menos, 3 desses 4 critéricos, possibilita o diagnóstico de VB.

O padrão ouro é a coloração por Gram do fluido vaginal, que quantifica o número de bactérias e lactobacilos patogênicos, determinando então a presença ou não de infecção.

O sistema mais utilizado é o de Nugent, que atribui valores quantitativos por campo microscópico de 3 diferentes morfotipos bacterianos – grandes bacilos Gram-positivos, pequenos cocobacilos Gram variáveis, e bacilos curvos Gram-negativos. A VB pode ser diagnosticada pela soma de 7 ou mais pontos nesse sistema.

– Tratamento: É indicado para mulheres com a presença de sintomas, e para assintomáticas se estiverem grávidas. Possibilita o alívio de sinais e sintomas da doença, e reduz o risco de outras infecções, por exemplo por C. trachomatisN. gonorrhoeae, T. vaginalis, HIV e herpes-simplex tipo 2.

Conforme o CDC, o tratamento consiste em:

  1. Metronidazol 500 mg, via oral, de 12 em 12 horas por 7 dias; OU
  2. Metronidazol gel 0,75%, um aplicador cheio (5 g), via vaginal, por 5 dias; OU
  3. Creme de clindamicina, 2%, um aplicador cheio (5 g), à noite, por 7 dias.

Algumas alternativas são:

  1. Clindamicina 300 mg, via oral, de 12 em 12 horas por 7 dias; OU
  2. Óvulos de clindamicina 100 mg, via vaginal, à noite, por 3 dias; OU
  3. Tinidazol 2 g, 1 vez ao dia, por 2 dias; OU
  4. Tinidazol 1 g, 1 vez ao dia, por 5 dias.

Tratamento durante a gestação:

  1. Metronidazol 250 mg, via oral, de 8 em 8 horas, por 7 dias; OU
  2. Metronidazol 500 mg, via oral, de 12 em 12 horas, por 7 dias; OU
  3. Clindamicina 300 mg, via oral, de 12 em 12 horas, por 7 dias.

Durante o tratamento, as mulheres devem praticar abstinência sexual, ou utilizar preservativo durante a relação. Além disso, é necessário evitar o consumo de álcool caso o tratamento seja feito com nitroimidazólicos, para prevenir o efeito antabuse. O tratamento de parceiros não é recomendado de rotina.

O uso de duchas vaginais pode aumentar o risco de recidivas.

O tratamento de pacientes soropositivas é o mesmo de pacientes soronegativas.

– Complicações: A VB está associada ao aumento do número de infecções de alta morbidade, como endometrite, salpingite, pelviperitonite, celulite de cúpula vaginal, doença inflamatória pélvica (DIP), infecções pós-operatórias e infecção pelo vírus HIV.

Além disso, em gestantes, pode causar também abortamento, parto prematuro, rotura prematura de membranas ovulares, corioamnionite, infecção placentária, infecção pós-cesariana (infecção de ferida operatória, abscesso de parede e endometrite), e colonização no recém-nascido.

  1. Candidíase vulvovaginal (CVV):

É a 2ª causa mais comum de corrimento vaginal, e é rara em mulheres antes da menarca e após a menopausa.

É caracterizada pela infecção da vulva e vagina pelas várias espécies de Candida. A maioria dos casos (80 a 90%) são atribuídos à Candida albicans, pois têm maior capacidade de aderência às células vaginais, e o restante das infecções (10 a 20%) são causadas por espécies não-albicans (C. tropicalis, C. glabrata, C. Krusei, C. lusitânia e C. parapsilosis).

Candida é um fungo encontrado na flora vaginal habitual em 30% das mulheres e, por isso, a CVV não deve ser considerada uma infecção sexualmente transmissível (IST), mas sim uma doença com eventual transmissão sexual.

– Quadro clínico: O início do quadro é súbito, e pode se intensificar no período pré-menstrual devido à máxima acidez vaginal.

O principal sintoma é o prurido vulvovaginal de intensidade variável, que piora à noite e com o calor local, podendo haver também queimação vulvovaginal, disúria, dispareunia, corrimento branco grumoso e inodoro, com aspecto caseoso (“nata de leite”), hiperemia e edema vulvar, escoriações devido à coçadura, fissuras e maceração da vulva, e vagina e colo recobertos por placas brancas e aderidas à mucosa.

A doença pode se manifestar de forma não complicada, que é causada pela Candida albicans, é esporádica, acomete mulheres sadias, e os sintomas são leves a moderados; ou de forma complicada, que é causada pelas outras espécies de Candida, é recorrente (4 ou mais episódios no mesmo ano), e acomete, por exemplo, mulheres diabéticas que não fazem o tratamento corretamente, mulheres com infecções recorrentes, gestantes e imunodeprimidas.

Nessa forma, os sintomas são graves, como presença de eritema e edema extensos, escoriações e fissuras.

– Diagnóstico: Na maioria das vezes o aspecto clínico típico é suficiente para o diagnóstico, dispensando outros exames para a confirmação. Porém, muitas vezes a paciente não apresentará o corrimento típico.

A avaliação do corrimento vaginal pode ser feita pelo teste do pH vaginal que, geralmente, é menor que 4,5, e também pela bacterioscopia, com visualização de pseudo-hifas e/ou leveduras.

O exame microscópico a fresco do conteúdo vaginal, com a adição de 1 a 2 gotas de hidróxido de potássio a 10%, e o esfregaço do conteúdo vaginal corado pelo método de Gram, revela a presença de pseudo-hifas e esporos na maior parte dos casos.

Se CVV recorrente, pode ser interessante a realização de cultura em meios específicos (ágar-Sabouraud ou Nickerson), para identificar a presença de outras espécies de Candida.

– Tratamento: Algumas opções terapêuticas, de acordo com o CDC:

  1. Fluconazol 150 mg, 1 comprimido via oral, dose única.
  2. Clotrimazol creme a 1% – 1 aplicador (5 g) via vaginal, por 7 a 14 dias.
  3. Miconazol creme a 2% – 1 aplicador (5 g) via vaginal, por 7 dias.
  4. Tioconazol creme a 6,5% – 1 aplicador (5 g) via vaginal em dose única.
  5. Butoconazol creme a 2% – 1 aplicador (5 g) via vaginal, aplicação única.

Não é preciso tratar os parceiros sexuais, a não ser que esses estejam sintomáticos – é raro que parceiros sexuais do sexo masculino apresentem sintomas, como balanite e/ou balanopostite. Nesse caso, o tratamento deve ser realizado com agentes tópicos.

Pacientes que apresentam candidíase recorrente devem ser investigadas quanto a presença de causas sistêmicas que predisponham à recorrência, como diabetes, imunodepressão, infecção pelo HIV e uso de corticoides.

O tratamento da CVV recorrente deve ser feito, preferivelmente, por via oral. Uma opção é o uso do fluconazol 150 mg, com uma dose semanal durante 6 meses.

No geral, a terapia não difere para pacientes HIV positivas, mas, em casos recorrentes, a terapia com fluconazol 200 mg semanalmente pode ser efetiva na redução da colonização por C. albicans e de episódios sintomáticos de CVV.

Na gravidez, a indicação é o uso de derivados azólicos, por pelo menos 7 dias.

  1. Tricomoniase Vaginal:

É uma infecção causada pelo Trichomonas vaginalis, um protozoário flagelado anaeróbio facultativo. É a 3ª causa mais comum de corrimento vaginal, e a principal vaginite sexualmente transmissível.

Geralmente está associada a outras doenças sexualmente transmissíveis, e facilita a transmissão do HIV.

Tem como fator de risco apenas a prática de relação sexual desprotegida, não havendo relação com a idade, ciclo menstrual, uso de contraceptivos, uso de antibióticos e outros. Por isso, a melhor forma de prevenção é o uso correto de preservativos.

– Quadro clínico: As mulheres podem ser assintomáticas, principalmente no período pós-menopausa. Mas o quadro clássico é a presença de corrimento amarelo-esverdeado, abundante, malcheiroso e bolhoso. O pH vaginal é maior que 5.

Além disso, há processo inflamatório importante na vagina e colo uterino, que pode causar outros sinais e sintomas como ardência, hiperemia e edema. Também pode haver prurido, disúria e dor pélvica.

Um achado específico é a colpite focal e difusa, “colo em framboesa” ou “colo em morango”, e teste de Schiller apresentando o colo com aspecto “tigroide”. Na maioria das vezes, essa alteração é vista apenas pela colposcopia, e acontece devido à dilatação capilar e às hemorragias puntiformes.

Como o tricomonas produz hidrogênio, que se liga ao oxigênio removendo-o do ambiente vaginal, isso facilita o crescimento de bactérias anaeróbias e, por isso, a tricomoníase pode estar associada a infecções gonocócicas e vaginose bacteriana.

Os homens geralmente são assintomáticos, comportando-se então como vetores. Quando sintomáticos, podem apresentar uretrite não gonocócica, epididimite ou prostatite.

– Diagnóstico: Geralmente é feito a partir do quadro clínico, exame físico, pH vaginal (maior que 5), teste de Whiff (positivo) e microscopia a fresco do fluido vaginal (revela a presença de protozoário móvel flagelado, e aumento de leucócitos).

Também pode ser feita a bacterioscopia com coloração pelo método de Gram, que evidencia o parasita Gram-negativo.

A cultura ficará reservada aos casos mais difíceis de diagnosticar. Os meios podem ser o de Diamond, Trichosel, In Pouch TV e outros, sendo o primeiro o principal.

Já o teste de amplificação do ácido nucleico (NAAT) é a alternativa mais sensível e específica para o diagnóstico, e deverá ser realizado apenas em pacientes cuja suspeita não foi confirmada pela microscopia.

OBS: A citologia corada pelo Papanicolaou não substitui o exame a fresco, pois pode falhar em mais de 50% dos casos. Quando apresentar alterações morfológicas celulares, está indicado o tratamento e uma nova coleta após 3 meses do término deste, visando avaliar a persistência das alterações celulares.

– Tratamento: De acordo com o CDC, o tratamento pode ser feito com metronidazol 2 g, via oral, dose única, OU com tinidazol 2 g, via oral, dose única.

É importante lembrar que o tratamento tem que ser sistêmico – e não tópico, para que atinja níveis terapêuticos na uretra e glândulas vaginais.

É obrigatório o tratamento de parceiros sexuais, e a investigação de outras IST, como sífilis, HIV e hepatites B e C.

O tratamento para mulheres HIV + de acordo com o CDC é com metronidazol 500 mg, via oral, de 12 em 12 horas, por 7 dias.

Durante a gravidez e lactação, o tratamento de escolha será com metronidazol 2 g, via oral, dose única, e é importante pois a tricomoníase pode causar rotura prematura de membranas, parto pré-termo e recém-nascido com baixo peso ao nascer. Um adendo é que o seu uso requer a suspensão do aleitamento materno por 12 horas.

REPOST DO BLOG JALEKO

https://blog.jaleko.com.br/como-reconhecer-e-diferenciar-as-vulvovaginites-e-vaginoses-infecciosas/


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